domingo, 23 de dezembro de 2007

O Que Esperar de 2008?

Por João Teófilo

Suponho que se fosse eu escrever este texto um ano antes, esperaria concretizar os mesmos desejos para 2007. Uma vez “esperado”, fica claro que algo não foi concretizado. Para ir direto ao ponto: todo ano revivemos sempre o monótono ato de fantasiar e achar que o próximo será perfeito, com paz, menos trânsito, aluguel mais baixo e uma quase infindável lista de desejos; digo “quase” para não ser injusto e desconsiderar as realizações, mesmo que algumas delas muito tímidas.

Fico pensando na quantidade absurda de pessoas indo às lojas e se entupindo com roupas brancas, e entupindo também de dinheiro os bolsos dessas. É aquela velha simpatia de que vestir roupa branca na virada do ano trará paz. Sorte do infeliz que não for vítima de latrocínio nas inumeráveis festas que se espalham pelos quatro cantos do país, morrendo nas primeiras horas do ano novo e, no pior dos casos, morrendo no estertor no ano velho. Então começa o ano e a violência mostra os seus dentes, tão brancos quanto a roupa que se usou na festa de fim de ano.

Se for pensar assim, a conclusão que chego é uma: espera-se muito, realiza-se pouco, mas ninguém deixa de lado este sentimento que se apodera das pessoas nas últimas horas do ano, acreditando que dali em diante tudo será belo, e que desta vez será para valer: paz, saúde e dinheiro no bolso. É a esperança, e como diz o ancião ditado, é a última que morre, sem esquecer também que sonhar não custa nada, só a decepção de não realizá-lo, em alguns casos.

O fato é que se levantam as mãos para o céu e espera-se que tudo venha como uma benção, que os políticos sejam menos corruptos, que os hospitais públicos não tenham tantas filas e pessoas morrendo por falta de atendimento... Enfim, os desejos são muitos, melhor não citá-los, pois não é tão fácil como fazer uma lista de supermercado. Porém se forem analisar minuciosamente essas questões, pouco se faz para atenuar tais problemas. Continuam-se elegendo os mesmos canalhas – vejam Collor e políticos “mensaleiros”, “cuequeiros” e “sangue-sugas”, vejam Maluf! – e com eles elegem suas políticas públicas baseadas no Estado mínimo e inacessível. O povo merece o governo que tem?

São desejos que contrastam com os fatos exibidos nas retrospectivas de ano mostradas aos montes nos canais de TV. Isso, claro, eu falo num âmbito mais genérico, não levando em consideração os pequenos desejos individuais. Alguém analisa isso? Acho que não. Há todo um encantamento com o espírito natalino, baseado em compras, mensagens bonitas de grandes lojas mostradas na televisão que se travestem em esperança ou falsa esperança, como queiram denominar. Há até o lado bom deste espírito, a complacência e fraternidade, mas é obsolescência programada, acaba junto com os fogos. Nos primeiros dias do ano seguinte já se está falando mal do vizinho ou fingindo que não enxerga quem dorme debaixo da ponte. Assim como tudo nessa lógica mercadológica, o espírito de fim de ano tem prazo de validade.
Talvez há quem pense que sôo pessimista, frio, coração gelado, ignorando uma época tão bonita do ano como esta, mas o buraco é mais embaixo. Realista me cai mais bem. É tudo muito bonito, mas quase nada muda. Esse espírito humano que toma conta das pessoas, comemorando o aniversário do nascimento daquele humano, demasiado humano, deveria durar o ano todo. Só em dezembro é uma grande hipocrisia. É uma tradição milenar, mudam os atores, mas o enredo continua o mesmo, inalterado. Feliz natal e bom 2008!

sábado, 24 de novembro de 2007

E o Mundo Exibe o Seu Cu Virado ao Avesso

Por João Teófilo

Talvez eu seja muito novo ainda para falar se o mundo anda ou não de cabeça para baixo. Há quem diga que só os mais “vividos” podem falar algo mais coeso sobre isso, e não um garoto de dezenove anos que entrou na universidade há pouco tempo e ainda não sabe o que é a vida real. Ah, mas não é para tanto! Tenho pouca idade, mas não sou nenhum tapado que esteja cego e incapaz de perceber que as coisas não andam no seu lugar. Mas agora me pergunto: o mundo anda mesmo desnorteado ou sou eu?


Não, claro que não! É mesmo o mundo. Percebam o clima, tá na cara! Nunca se fez tanto calor como vem fazendo nos últimos tempos. Ruim para mim, que moro bem perto da linha do Equador e, para piorar, moro em Sobral, onde é possível fritar um ovo no asfalto às duas da tarde. Aliás, não preciso nem lembrar disso. O que a mídia vem mais vinculando atualmente é sobre o quão é catastrófico o aquecimento global. Mas há quem se reúna para discutir assuntos de caráter mais “importante”, como se o que está acontecendo fosse um simples vazamento na torneira da cozinha. É para ri ou chorar?

Enquanto a Terra pega fogo, em Brasília há um grupo que, mesmo que elipticamente, nos chama de imbecis ou coisa do gênero. Democracia é um termo que abrange vários pontos que não devem ser desconsiderados, e no Brasil, país que se orgulha do seu caráter “democrático”, deixa muito a desejar nessa questão. Renan Calheiros pinta e borda diante de um cargo representativo deixando suspeitas quanto a sua conduta. Depois que a mídia divulgou aos quatros ventos as supostas irregularidades e o caso despertou a atenção da opinião pública, seus colegas sentiram-se pressionados a investigar o caso, chegando até mesmo a se cogitar a hipótese de caçar seu mandato por quebra de decoro. Depois de muito bate-boca com cenas de fazer inveja a qualquer barraco de novela das oito, levaram o homem à forca; era a hora da verdade. Mas numa cena que nos remete ao período militar, fizeram uma votação secreta, nos negando o direito de saber quem era contra ou a favor a permanência do Sr. Calheiros. Onde já se viu!? Nós pagamos estes senhores com os nossos impostos e temos negado nosso direito de saber o que nossos funcionários – é isso que eles de fato são – farão diante de um caso tão vergonhoso para a nossa “democracia”. Nada mais antidemocrático e que corrobora o que mencionei sobre eles nos chamarem de imbecis. Nosso presidente posa de passivo e diz acreditar na justiça do nosso país. É passada a hora de reconhecer o óbvio: quem defende ladrão não pode assumir um cargo de representação nacional. Democracia às avessas, isso sim. Ou como diz Tom Zé, “democracia que escorrega, na regra não se segura”.

No Oriente o problema é ainda mais grave, pois envolve vidas que estão sendo jogadas fora como merdas por um motivo estúpido. Já está mais do que provado não existir armas químicas no Iraque, Saddam já foi deposto – e morto -, mas mesmo assim, o presidente Bush Jr e sua corja continuam batendo na mesma tecla, defendendo esta “Operação Liberdade para o Iraque”. Mas o intuito de “libertar” o povo iraquiano culminou na morte de quase quatro mil soldados norte-americanos, e, embora há quem defenda que o número exato possa ser dez vezes maior, estima-se que 63 mil civis foram mortos até agora com a guerra. Soa até clichê falar que o motivo da guerra é o petróleo, mas o problema assume proporções maiores do que possa parecer aparentemente. A legitimidade da autoridade da ONU é rechaçada pelo governo dos Estados Unidos e muitas autoridades de países se fingem de cegos e assumem uma postura passiva diante do caso, tentando olvidar que uma guerra ocorre em pleno século XXI e ninguém ousa – ou quer – inibir a ação do governo norte-americano e seus aliados para pôr um fim neste episódio tão vergonhoso, que deixa os restos mortais de Hitler todos retorcidos de tanta inveja.

O que mais me preocupa é o ambiente de naturalidade que predomina no Brasil e no resto do mundo, como se nada de grave estive acontecendo. Porém reconheço que isso preocupa ainda mais aos familiares das vítimas ceifadas por esta guerra. São questões que urgem por medidas rápidas, mas que, infelizmente, só poderemos tentar resolvê-las nas próximas eleições, pois esse é o único direito legal que nós possuímos para direcionar as ações do nosso Estado. Mas sempre aparecem lobos travestidos de ovelhas, que se aproveitam da maleabilidade das pessoas, muitas delas sem acesso à informação, e conseguem meios para espargir seus projetos para uma mediocracia reinante.

Como se não bastassem os altíssimos investimentos para a realização dos Jogos Pan Americano no Rio de Janeiro, comemora-se a Copa Mundial de 2014 que será sediada no Brasil. Mas quem de fato tem motivos para comemorar: a rede Globo, os donos das redes hoteleiras espalhadas pelo país e mais uma minoria privilegiada? Bilhões serão gastos com a Copa, enquanto que a situação nos mostra um país com índices de violência gritantes, a qualidade da educação pública é quase inexistente – e não me chamem de hiperbólico, porque de fato o é -, a saúde pública é uma verdadeira palhaçada e outros inumeráveis problemas que urgem por soluções rápidas. Interessante é que sempre há dinheiro quando o assunto é votar aumento de salário para os próprios políticos e a realização de grandes eventos como a Copa do Mundo. É por não usarem o dinheiro de nossos pesados impostos com políticas públicas eficientes que se distanciem do assistencialismo paliativo do governo Lula que sobra dinheiro para a corrupção. Dinheiro há. O que não há são prioridades justas.

Parafraseando o músico Humberto Gessinger, “isso me sugere muita sujeira, isso não me cheira nada bem. Tem muita gente se queimando na fogueira e muito pouca gente se dando muito bem”. O mundo com o seu cu virado ao avesso nos mostra uma transição de séculos conturbada, que reforça um mundo separado entre joio e trigo, reinando um clima de mais perfeita naturalidade quando tudo caminha para o ápice do espetáculo, cujo protagonista é o caos.


domingo, 4 de novembro de 2007

Quatro Anos sem Rachel

Por João Teófilo

Era quatro de novembro de 2003 e eu checava minha caixa de e-mails pela manhã quando, abrindo a página principal, me deparo com a seguinte notícia: “Faleceu hoje, no Rio de Janeiro, a escritora Rachel de Queiroz”. Confesso que a princípio meu cérebro não processou corretamente a informação, passando um turbilhão de coisas pela minha mente até que eu me desse conta do que realmente havia acontecido. Hoje, fazendo um retrospecto, reconheço que, mais do que lamentar a perda, é momento para lembrar sua importância como umas das maiores escritoras brasileiras, quebrando um tabu quase secular como a primeira mulher a desafiar o machismo na literatura do nosso país, se tornado a primeira imortal de saias da Academia Brasileira de Letras.

Extemporânea por excelência, Rachel, junto com o “O Quinze” (1930), inaugura uma nova fase em nossa literatura, dando continuidade ao que José Américo de Almeida havia feito dois anos antes ao lançar “A Bagaceira” (1928). Com isso ela não só surpreendeu os coronéis da nossa literatura por se tratar de uma mulher, mas também por ter apenas dezenove anos! Houve até quem duvidasse que o livro não era de sua autoria, idéia que ficou sem sentido quando “João Miguel” foi lançado no ano seguinte. Muitos outros vieram no decorrer do tempo, consolidando de vez a carreira de Rachel como escritora e também como cronista, atuando por muito tempo nos melhores jornais brasileiros. No campo da política Rachel atuou dos dois lados, vindo a ser militante comunista e até mesmo candidata à deputada, como também, anos mais tarde, apoiou o golpe militar de 64 que teve como primeiro presidente um amigo íntimo seu, Castelo Branco. Contudo, depois de percorrer vários matizes ideológicos da política, ela se considerava uma simples anarquista.
Dona de uma escrita simples que fluía juntamente com as emoções sentidas por suas personagens, Rachel por muitas vezes adentrou nesse mundo da ficção, deixando que a mulher existente nela perpassasse a caneta e viesse até suas personagens na forma de Conceição, Dôra ou mesmo Maria Moura. São obras que tratam da angústia humana e mesmo da felicidade, contextualizadas em ambientes variados: ora no solo gretado pela seca em “O Quinze”, ora na vida pacata da Ilha do Governador na década de 50, em “O Galo de Ouro”. Romances que estampam com fidelidade o espírito brasileiro, inserido em cada palavra jogada nas folhas brancas.

Cearense e carioca, por quase um século Rachel se dedicou ao ofício da escrita, mesmo afirmando constantemente ter preguiça de escrever, o que por muitas vezes me levou a acreditar que ela dizia isso da boca para fora, pois se uma pessoa escreve um romance da magnitude de “Memorial de Maria Moura” com preguiça, imagine o que ela faria com muita vontade de escrever? Os homens passam, mas os livros ficam, e os de Rachel estão aí, provando que seu destaque na literatura não foi em vão e que ela merece ser sempre lembrada.