terça-feira, 22 de abril de 2008

Imprensa carniceira

Por João Teófilo

Alguém já ligou a televisão alguma vez neste último mês sem que estivesse passando algo a respeito da morte de Isabella Nardoni? Talvez sim, mas deve ter sido de madrugada, naquela hora dos filmes antigos e dos programas com moças vestidas sensualmente vendendo produtos eróticos. Depois do Big Brother Brasil, o caso Isabella e a dengue no Rio de Janeiro disputam à tapa seus lugares nos meios de comunicação. A violência no Brasil já se encontra ressentida com o esquecimento.

O que era pra ser só mais um caso de polícia virou invasão de privacidade com direito a link ao vivo direto do prédio onde se encontram o pai e a madrasta de Isabella; é um verdadeiro reality show onde a vida pessoal da família ganha mais destaque do que a investigação do caso. Telejornal de manhã com a jornalista na porta do prédio informa, ao vivo: o casal Nardoni tomou café-da-manhã; o casal Nardoni recebeu os advogados; o avô de Isabella isso ou aquilo... Ah, isso pro raio que o parta! Como se não bastasse, durante toda a programação jornalística das grandes emissoras brasileiras se repetem as mesmas notícias; o que foi veiculado pela manhã é também veiculado à tarde e à noite, pouca coisa muda.

Não digam que estou sendo insensível com tamanha crueldade, longe de mim isso, mas crianças morrem no mundo inteiro em condições semelhantes ou piores que Isabella. A imprensa precisa ceder espaço às crianças vítimas de abuso sexual, vítimas de exploração do trabalho infantil, vítimas da fome, das guerras insanas que ocorrem nos quatros cantos do planeta... São fatos que ocorrem em proporções maiores do que muitos possam imaginar, maiores do que a grande mídia veicula. Será preciso que estas crianças sejam jogadas do sexto andar para que a imprensa abra os olhos e chame a atenção da opinião pública? Que tipo de desgraça dá mais audiência?

Aqui no Ceará, dois irmãos acadêmicos de medicina, filhos de um respeitado médico do interior, foram mortos injustamente por um sargento da polícia. O caso estampou os principais jornais do Estado e do país, chegando o governador Cid Gomes ir até a cidade das vítimas afirmar que a justiça seria feita. Mas quantos inocentes são mortos pela nossa polícia corrupta e preconceituosa que age de forma truculenta e fica impune? Basta subir os morros do Rio ou ir a outras favelas para constatar quantos morrem pelo simples fato de serem “negros”, “mal vestidos”, “marginais”... É a verdadeira criminalização da pobreza que a imprensa faz pouco caso; pior: compactua com isso. Como se tratava dos filhos de um rico médico, o governador estava lá, a imprensa estava lá.
Sem o menor respeito, imagens da casa dos familiares de Isabella são mostradas, o sofrimento dos familiares é mostrado e o dia-a-dia desses também. Fica evidente que o que dá mais audiência é ver o circo pegar fogo e o palhaço se queimar. Os repórteres estão lá, de plantão, à espera, sedentos por novidades, brigando pela exclusividade. Quanto mais o caso se arrastar, mais audiência, mais lucros. Que a justiça seja feita e que as demais crianças vítimas da violência de qualquer natureza, seja essa criança rica ou pobre, “preta” ou “branca”, ganhem seu espaço nos meios de comunicação.