quinta-feira, 8 de maio de 2008

Yoñlu

Por João Teófilo





Um quarto, um computador e a genialidade de Vinícius Gageiro concederam ao mundo da música um apanhado precioso de canções que raramente algum artista consegue engendrar. O garoto de apenas de 16 anos, gaúcho de Porto Alegre, com uma capacidade artística precocemente revelada, era descrito como extraordinariamente inteligente e extremamente sensível. Porém, foi sua personalidade sensível que não suportou viver nesse mundo caótico, o que levou Vinícius, conhecido no mundo virtual como Yoñlu, a abreviar a própria vida no dia 26 de julho de 2006. Talvez Vinícius tenha nascido cedo demais.


Em vida, Vinícius transformou seu quarto em refúgio, sua arte. Foi nele que o garoto, com apenas seu computador e um software de gravação, usou teclado e violão, compôs e elaborou os arranjos de várias músicas que, postumamente, foram lançadas em fevereiro deste ano pelo selo Allegro. Difícil é analisar o disco sem levar em conta as circunstâncias especiais que o envolvem.


Difícil também de classificá-lo sonoramente, mas não resta dúvida a semelhança com o post-rock, uma mistura do rock progressivo com o rock alternativo, permeado por algo mais melódico, suave, experimental e carregado de música instrumental. Há melodias bem trabalhadas e construções sonoras que lembram Radiohead – umas das bandas favoritas de Vinícius – como na música “Goodbye (a story)”,
onde a semelhança sonora com “Fitter Happier”, do Radiohead, é nítida. Além de percebermos que seu primor musical era muito aguçado para um garoto de 16 anos, o disco nos permite enxergar um pouco como o mundo doía em Vinícius. As músicas “Suicide Song” e “Humiliation” - essa possui uma melodia em perfeita sintonia com a voz do garoto, que canta num inglês desenvolto - estampam o seu íntimo.


Antes mesmo de lançadas em CD, algumas músicas de Vinícius já eram disponibilizadas na Internet por um amigo virtual. “Waterfall”, uma balada instrumental levada por voz e violão, acrescida no final de sutis batidas eletrônicas, arrancou elogios de internautas de várias partes do mundo, onde muitos chegaram a duvidar que a origem das músicas fosse um garoto com a idade dele. Fã de Vitor Ramil, Vinícius regravou “Estrela Estrela”; os versos “como ser assim tão só e nunca sofrer?” mostra que essa música revela conexão com sua personalidade, e quem desconhece seu verdadeiro autor chega a crer que é mais uma composição de Yoñlu. Vinícius também regravou a música “Regra 3”, de autoria de Vinícius de Morais e Toquinho, também levada por voz e violão.


A música “Mecânica Celeste Aplicada”, a princípio batizada de “Luana”, nome da musa inspiradora, é uma das melhores do disco. Sutil e de melodia suave, Vinícius consegue expressar seu sentimento quando canta. Com uma letra que deixaria qualquer trovador com inveja, poucos conseguiram expressar tão bem quanto ele o que significa sofrer por amor. Outra música, “Untitled”, também foi dedicada à Luana.


O que era para ser um princípio musical transformou-se em legado. Tão precoce quanto Ian Curtis, o disco prova que Vinícius Gageiro possuía potencial para fazer muito mais e melhor. O amigo Alexandre Giacobbo, que compôs com Vinícius “Olhe Por Nós” e “It’s Not Another King Kong”, declara: “ele conseguiu englobar os mais variados sentimentos com uma perspicácia única”; o jovem Marcelo Menegali, que soube do suicídio de Vinícius pouco tempo depois, e por meio de um amigo virtual dele teve acesso às músicas antes de serem lançadas em CD, define: “a música dele une a técnica com o sentimento (...) são recheadas de sentimento, mas não são simplistas, como se esperaria de algum adolescente comum”.


O menino prodígio de Gay Harbour, como ele chamava Porto Alegre, hoje é uma fotografia pregada na parede. Sua música é vida, e nela está contida a essência daquele que preferiu calar-se. A vida é frágil, escorre pelos dedos, e, como diria o filósofo alemão Nietzsche, “a recompensa final dos mortos: não morrer nunca mais”.